terça-feira, 10 de abril de 2012

Relatos


“Ou você fuma ou morre”

Baiano, J. veio para o Distrito Federal ainda menino com pais e irmãos. Aos 18 anos, na companhia do melhor amigo, encarou a aventura que mudaria sua vida. Pegou um ônibus para São Paulo. Deslumbrou-se com a maior cidade do país. Conheceu lugares, pessoas e o crack. “Me perdi no cachimbo”, resume, contabilizando, 26 anos depois, os prejuízos: “Três amores perdidos, pouca convivência com os filhos, sem casa própria, emprego e dinheiro”. Também não tem mais saúde: “São dores no joelho, nas pernas, no estômago e no coração que não passam e não me deixam jogar um futebol ou fazer alguma outra atividade”, relata ele, que trabalhava como segurança no Plano Piloto e agora ocupa às horas do seu dia frequentando sessões de terapia em grupo, encontro de viciados e a igreja.

Faz bem falar sobre o assunto. É bom perceber que outras pessoas passam pela mesma coisa. A minha experiência pode ajudar alguém, principalmente os mais novos. São cada vez mais jovens. Crianças. Tem a curiosidade, os amigos e o preço que engana. Parece mais barato que outras drogas, mas como o efeito dura pouco, sai caro. Já experimentei de tudo: maconha, cocaína, merla, ácido...

O crack é diferente. É mais rápido do que a luz. Você quer mais e mais e mais. Já gastei numa única noite R$ 3 mil em pedras. E nessa hora, fica você e o cachimbo. Não tem família, comida, banho… Nada. É a perdição. Quando a onda começa a passar, vem a coisa ruim. Parece que tem alguém te perseguindo, observando.

Não dá para pensar em mais nada: ou fuma ou morre. Já tentei me matar. Subi até o terraço do prédio de 12 andares onde trabalhava e estava decidido. Mas a porta estava com cadeado. Foi Deus. Só que naquela época não acreditava em nada disso. Achava que não tinha chegado a minha hora. Não foi a primeira vez. Também já tirei o lacre de segurança do botijão de gás de casa. A minha ex-mulher estava comigo.

O maior sofrimento é pensar que causei mal às pessoas de que gosto, principalmente aos meus pais. A família do viciado sofre muito. Precisa de atenção. Todo mundo fica doente. É muito bom poder conviver de novo. Já te contei que estou morando com eles? É que o crack levou tudo: casa, carro, móveis, roupas… Fui parar no buraco do poço mesmo. Tenho consciência de que o meu caso é grave. Só eu sei o que é passar os dias com o “diabinho” falando no seu ouvido para voltar para a droga. Você vai ficando louco. Tudo lembra o crack. Tenho medo de cair na tentação e não aguentar.

Tem um ano que estou limpo. Quer dizer, cometi um deslize. Acho que está bom. Fiquei com nojo. Vomitei, passei mal e senti fortes dores de cabeça. Pela primeira vez, ao longo desse tempo todo, sinto que vou conseguir. Fiquei internado e agora faço o acompanhamento. Além do crack, preciso me livrar do álcool e depois do cigarro. Também tomo um coquetel de remédios controlados. No meu quarto, tem uma caixa com vários comprimidos e na minha pasta, outros tantos.

O tratamento é assim: um dia após o outro. Qualquer deslize pode ser o fim da linha. Naquele tempo não conseguiria olhar nos seus olhos. O crack te faz sentir inferior. É gratificante perceber que tenho projetos para o futuro aos 44 anos. Quero casar, arrumar emprego e quem sabe até outro filho.
Fonte:Correio Braziliense / ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas)
J.
- BA - Brasil
Livro de Visitas 26/11/09

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