Há uma importante distinção que é absolutamente vital para
uma boa teologia e uma vida cristã saudável. É também uma distinção que parece
ter sido perdida por um crescente número de pessoas tanto no lado esquerdo
quanto no direito do espectro teológico. É a distinção entre ser como criança e
ser infantil. Cristãos são chamados a terem uma fé do primeiro tipo; não do
segundo.
Eu suspeito que as próximas gerações talvez olhem para trás,
para os dias de hoje, e vejam uma era de incomparável infantilidade na história
da humanidade. As vastas somas de dinheiro pagas para que homens adultos
brinquem de jogar para nosso entretenimento é simplesmente inacreditável. A
influência cultural lançada por jovens estrelas pop é até bizarra. Digo,
qualquer que seja a opinião de alguém sobre um sistema estatal de saúde, não é
óbvio que as opiniões do Justin Bieber sobre o assunto deveriam ser seguramente
ignoradas? E a necessidade compulsiva de pessoas aparentemente inteligentes de
twittar as mais tolas banalidades de suas vidas para o domínio público é
surpreendente. A esses atos de infantilidade relativamente triviais podemos
adicionar também algo mais sinistro: o desenvolvimento de uma cultura política
e legal que se recusa a reconhecer qualquer meio termo. Quanto à moralidade, as
crianças mimadas realmente tomaram o universo do discurso moral, quando é mais
provável que um homem que deixa sua esposa por outro homem seja louvado como
herói cultural por sua bravura do que taxado de imoral e cretino por sua
capitulação covarde aos seus hormônios.
Infelizmente, isso também tem afetado a igreja. Muitas
megaigrejas têm crescido por meio do casamento inesperado, mas indubitavelmente
bem sucedido, de uma teologia esparsamente ortodoxa com um linguajar infantil.
Indo além, muitos cristãos de igrejas não tão ‘mega’ também têm hábitos e
pessoas infantis. Não são simplesmente aqueles pastores que se vestem como
adolescentes desleixados quando pregam que exibem tais características. Todos
nós podemos ser tentados nessa direção quando não nos dão o que queremos e
procedemos imediatamente para derrubar das prateleiras todos os brinquedos que
temos. E o que se pode dizer sobre o consistente fracasso da blogosfera cristã,
do menor ao maior, em entender que algumas coisas são próprias à esfera pública
e que outras devem ser mantidas privadas? Saber quando falar em público e
quando se manter discreta e modestamente em silêncio (especialmente sobre os
próprios sucessos) costumava ser uma parte muito básica do que significava
amadurecer.
Talvez, no centro dessa infantilidade, esteja a inabilidade
de reconhecer qualquer tipo de autoridade externa. O bebê chorando pelo
bichinho de pelúcia confiscado está expressando seu ultraje ao mundo ter mudado
contra sua vontade, tanto quanto a adolescente cuja vida foi (e eu cito diretamente)
‘tipo, totalmente arruinada’ porque seu celular lhe foi tirado por uma noite
por um pai aborrecido. Muito do que consideramos comportamento infantil, como
birras, irresponsabilidade e insolência, contém uma dose significativa de
repúdio por autoridades externas.
Alguns anos atrás, me lembro de confrontar alguém sobre a
questão da autoridade bíblica. Esse indivíduo, na época um cristão professo,
simplesmente não conseguia aceitar a afirmações que a Bíblia fazia sobre sua
vida. Gradualmente percebi um padrão: essa pessoa também odiava o fato de ter
que prestar contas ao seu chefe, que os presbíteros de sua igreja desejavam que
ele lhes prestasse contas, e que também deveria ser submisso a seu pai. Ficou
claro para mim que essa pessoa não estava lutando contra a autoridade bíblica
em particular; ele lutava contra autoridades externas em geral. Ironicamente, o
Ocidente tem considerado esse tipo de individualismo e independência como
sinais de maturidade. E conforme vemos os últimos estágios desse projeto se
desenvolverem perante nossos olhos, e o mundo Ocidental se tornar um lugar onde
tribunais são necessários para decidir quais banheiros as crianças de cinco
anos devem usar, acredito que a trajetória dessa infantilidade já esteja
bastante clara. E, por falar nisso, nesse caso a que me refiro, foram as
crianças de cinco anos, não os adultos, que ganharam. Isso deveria te dizer
algo.
Ser como criança, entretanto, é a própria antítese da
infantilidade. Se infantilidade envolve a recusa em reconhecer autoridades
externas e, assim, uma recusa em reconhecer os próprios limites e falta de
exclusividade nesse mundo, ser como criança é muito diferente disso. Ser como
uma criança é aceitar que você não é a medida de todas as coisas. Crianças são
aqueles seres que são os melhores em olhar para os outros, especialmente os
adultos, para aprenderem as coisas sobre as quais ainda são ignorantes. Ser
como uma criança envolve confiar no pai ou no irmão mais velho em busca de
proteção, sabedoria, e saber que os adultos têm competências e habilidades que
servem para ajudar.
No mundo cristão, é possível adicionar que isso envolve uma
aceitação do poder e da autoridade de Deus, da suficiência de Sua revelação e a
adequação completa da salvação provida em Cristo. Também envolve estar
envolvido na igreja local, buscando nos presbíteros e diáconos suporte e
cuidado. Envolve perceber que não se vive longe, ou acima, do corpo de Cristo:
deve-se ser parte dele, e estar sob a autoridade da cabeça.
Voltando ao exemplo do homem que citei anteriormente. Eu
lembro de um comentário feito por Karl Barth sobre as Escrituras. Veja bem, eu
não concordo com a visão de Barth das Escrituras, mas esse comentário foi muito
marcante para mim desde que o li. Era mais ou menos assim: eu sei que a Escritura
é a palavra de Deus da mesma forma que sei que minha mãe é minha mãe. Veja, eu
confesso que nunca pedi um teste de DNA para minha mãe. Eu tenho uma cópia da
minha certidão de nascimento, na qual o nome dela aparece, mas eu nunca usei
isso como a base do meu relacionamento com ela, nem tentei descobrir se essa
certidão foi forjada como parte de uma ampla conspiração para me confundir. Eu
simplesmente sempre soube que a minha mãe é minha mãe e não vejo essa convicção
como sendo, nem de longe, irracional, vergonhosa, sem fundamento ou ridícula.
Confesso que me lembro de um momento particularmente desagradável de meus anos
de juventude em que gritei “você não é minha mãe!” para ela, mas esse brado foi
mais um insulto calculadamente cruel, não uma afirmação de fatos biológicos ou
crenças pessoais. Também diria que, ironicamente, essa afirmação marcou o ápice
da minha estupidez e infantilidade adolescente.
Herman Bavinck dizia que o cristão aceita a revelação
especial de Deus em Cristo com a fé de uma criança. Isso é uma afirmação
implausível em um mundo onde ser como criança é tão desprezível e ser infantil
tão exaltado. Mas ela captura com precisão o pensamento expresso justamente por
Cristo, que apontou para as crianças como paradigmas da maneira com que suas
palavras deveriam ser recebidas.
Crescimento em maturidade cristã deveria se manifestar de
diversas formas. Uma delas é que deveríamos nos tornar cada vez menos
enamorados pelos mitos que contamos a nós mesmos sobre quão únicos nós somos
como indivíduos, sobre termos potencial ilimitado, sobre como realmente temos a
última palavra sobre tudo. Resumindo, deveríamos nos tornar menos infantis.
Pelo contrário, deveríamos nos tornar mais conscientes do quanto somos
exatamente como todo mundo – limitados, dependentes, finitos, caídos. Também
deveríamos aprender cada vez mais a encontrar nossa realização em descansar na
simples fé bíblica e catequética que descreve quem somos, o que precisamos e
como podemos achar isso ao nos submetermos em fé reverente e humilde a Cristo.
Em outras palavras, devemos nos tornar menos infantis e mais como crianças.
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